HORA CERTA

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Ver, vendo…


Quantas vezes passei por locais maravilhosos e não me dei conta de suas existências…
Quantas vezes disse:
Bom Dia! e não olhei os olhos a quem cumprimentava…
Quantas vezes as oportunidades bateram à minha porta e eu deixei de aproveitá-las, de lhes dar o devido valor, por estar preocupado com um amanhã material, que poderia ou não se concretizar, esquecendo do agora, do olhar em volta, do sentir o cheiro das coisas…
Do ter prazer em olhar o brilho da lua refletindo o sol…
Da alegria do sorriso de uma criança – honesto, simples e verdadeiro – ao ganhar uma pequena lembrança ou um doce ou uma palavra de amor e de carinho…
Dei-me conta do que estou perdendo por me preocupar tanto…
Do querer viver hoje um amanhã que não me pertence…
Dei-me conta de que preciso olhar e ver…
“Ver Vendo”…
De tanto ver, a gente banaliza o olhar…
Vê não vendo…
Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver…
Parece fácil, mas não é…
O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade…
O campo visual da nossa rotina é como um vazio…
Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta…
Se alguém lhe perguntar o que você vê no seu caminho, você não sabe…
De tanto ver, você não vê…
Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio de seu escritório…
Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro…
Dava-lhe um bom dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência…
Um dia, o porteiro cometeu a descortesia de falecer Como era ele?
Sua cara?
Sua voz?
Como se vestia?
Não fazia a mínima ideia…
Em 32 anos, nunca o viu…
Para ser notado, o porteiro teve que morrer…
Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser que também ninguém desse por sua ausência…
O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem…
Mas há sempre o que ver….
Gente, coisas, bichos…
E vemos? Não, não vemos…
Uma criança vê o que um adulto não vê…
Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de tão visto, ninguém vê…
Há pai que nunca viu o próprio filho…
Marido que nunca viu a própria mulher (e desconhece os seus segredos e desejos), Esposa que nunca viu o próprio homem (e também desconhece os seus segredos e desejos), isso existe às pampas…
Nossos olhos se gastam no dia a dia, opacos…
É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença…

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